A tragédia Yanomami à luz da Convenção das Pessoas com Deficiência da ONU

Um grupo da força nacional do SUS atende crianças Yanomami. A equipe é constituída por três pessoas com máscaras: duas mulheres e um homem, que estão de frente na foto. Três crianças estão de costas, e uma aparece parcialmente no colo de uma indígena adulta, que aparece de costas na foto, usando uma camiseta branca transpassada por tira rústica em rosa. O cenário desfocado atrás tem árvores de diversos tamanhos na margem de um rio.
Força nacional do SUS atende crianças yanomamis. Crédito: Igor Evangelista/ Ministério da Saúde.

Texto publicado originalmente no portal JOTA.

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06/02/2023 - Por Claudia Werneck

Algumas conexões são automáticas no campo dos direitos humanos, outras não. Por isso, para abordar a tragédia Yanomami, trago a Convenção das Pessoas com Deficiência, assinada na ONU em 2007, e promulgada pelo Brasil em 2009, particularmente seu Artigo 11, sobre “Situações de risco e emergências humanitárias”.

Muito provavelmente crianças, adolescentes, jovens e pessoas adultas sobreviventes do povo Yanomami se tornarão alguém com deficiência, tanto pela ingestão contínua de mercúrio – e sabe-se lá mais o quê em termos de substâncias que atacam a saúde neurológica e física –, quanto pela desnutrição, doenças não tratadas, endemias como a da malária e as epidemias longas, como a covid-19. 

Tornar-se uma pessoa com deficiência não é algo desejável, mas a tragédia só se configura pelo contexto do acontecimento. É como se todos os esforços governamentais dos últimos quatro anos fossem meticulosamente planejados nesta direção. 

Conforme atesta a Organização Mundial da Saúde (OMS), a exposição ao metilmercúrio, resultante do consumo de peixes e outros animais aquáticos pela mãe, pode afetar profundamente o cérebro em crescimento e o sistema nervoso de um feto. Portanto, o pensamento cognitivo, a memória, a atenção, a linguagem e as habilidades motoras finas e visuais espaciais podem ser afetadas em crianças que foram expostas ao metilmercúrio durante o período de gestação.

O Brasil está sob alerta. Somos uma nação totalmente imersa na situação prevista na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência da ONU, conforme seu Artigo 11:

“Em conformidade com suas obrigações decorrentes do direito internacional, inclusive do direito humanitário internacional e do direito internacional relativo aos direitos humanos, os Estados Partes deverão tomar todas as medidas necessárias para assegurar a proteção e a segurança das pessoas com deficiência que se encontrarem em situações de risco, inclusive situações de conflito armado, emergências humanitárias e ocorrência de desastres naturais”.

A dizimação planejada e consumada em grande parte da população Yanomami se configura simultaneamente como situação de conflito armado, emergência humanitária e ocorrência de desastre natural – causado por decisões políticas e econômicas não naturais. 

Nada é apenas social ou ambiental. O conceito de inclusão, quando abordado de forma ampla, conota e expressa a íntima relação da espécie Homo sapiens com o planeta que a recebe e a mantém viva – ainda que com injustiça e desigualdade. 

Políticas públicas só poderão amenizar o propósito destruidor de ataque e dizimação da população Yanomami se criarem soluções alinhadas às necessidades específicas de quem se torna uma pessoa com deficiência. O Brasil está retomando as políticas inclusivas na área e a Secretaria Nacional dos Direitos da Pessoa com deficiência poderá contribuir muito.

A Convenção das Pessoas com Deficiência da ONU foi o primeiro tratado de direitos humanos a ser sancionado no Brasil, em 2008, com força de Constituição e deve ser considerada em qualquer decisão no legislativo, executivo e judiciário do Brasil sobre a proteção e a segurança, no presente e no futuro, dos, das e des Yanomami.