Por que mesmo as crianças vão para a escola?

Sobre retângulo com fundo em cor clara alaranjada, aparecem imagens de vários objetos escolares, onde um aviãozinho feito de papel se destaca na cor azul. Os demais objetos são na cor amarela e alguns estão fotografados parcialmente: esquadros, uma agenda com caneta, grampeador e clips, dois lápis e uma tesoura.
Há muito mais para aprender na escola do que a grade curricular. (Foto: Getty Images)

Texto publicado originalmente na Revista Pais & Filhos.

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Junho de 2021 - Por Claudia Werneck

“Para ter uma profissão”; “para entrar na faculdade”; “para aprender matemática, física e português”. Tudo isso pode ser verdade, mas é muito pouco se quantificarmos quantas horas de um dia – e quanto tempo de uma vida – são totalmente dedicados à escola e às suas tarefas em casa. Por que razão as crianças vão pra escola? Para estudar – esta é uma resposta bastante precária. Tão rasa quanto acreditar que bebemos água porque temos sede.

Escola é o espaço onde as gerações se encontram, se entendem e se reconhecem como parte de uma geração indivisível, única e temporal. É na escola que crianças e adolescentes de idade próxima desenvolvem e testam a técnica, a intuição, a sensibilidade, a criatividade, a flexibilidade e a arte de formar, entre si, parcerias indispensáveis para o futuro da nação. Quem não vai para a escola fica fora da memória afetiva de sua geração, e pra sempre.

Sou contra a prática do homeschooling, claro! Desejo que toda criança se perceba empática e sinapticamente enredada às demais crianças, cúmplices pelo simples fato de terem nascido na mesma época; morarem naquele bairro ou passarem juntas pela pandemia da Covid-19, entre outras similitudes. Embora ainda não alcancemos que tipo de marcas o isolamento social e o sofrimento generalizado irão deixar para quem está na infância e adolescência, é certo que impactarão fortemente quem está em fases tão sensíveis de desenvolvimento.

Na escola, nem tudo são – nem serão – flores. Natural que seja assim. Dói para a criança, em alguma medida, construir a sua autoestima social. Mais ainda se, até então, seu único espaço de interação era com a família em um lar cuidador, protetor e amoroso, como idealmente todos deveriam ser. A formação da autoestima social envolve riscos, desafios, descobertas e experiências – pro “bem” e pro “mal”.

Qual será a sensação que uma criança tem ao ficar tantas horas com pessoas de corpos tão vulneráveis e pequenos como o dela? Deve ser de muita emoção e felicidade, mesmo que envolva disputa de atenção e brinquedos. Mas no decorrer da vida a gente se esquece de tudo isso que viveu e sentiu. Documentado eternamente só ficam mesmo o currículo escolar, notas e conceitos. Boletins com avaliações que depois serão motivo de orgulho, frustração ou piada. É nossa autoestima social sendo moldada a partir da avaliação das pessoas de corpos grandes que cuidavam de nós naquele espaço.

Cada pessoa adulta é responsável pela escola que temos no Brasil, e também por transformá-la em algo menos excludente sob qualquer perspectiva: a educação inclusiva. Conversar sobre qual o motivo das crianças irem para a escola deveria ser assunto de almoço aos domingos, de conversa de bar, tema de interesse público para qualquer idade. Daí, amadurecendo reflexões e desenvolvendo uma visão mais crítica sobre o sentido e o valor de se frequentar diariamente uma sala de aula desde a infância, e por toda a vida, imagino que teríamos na ponta da língua respostas mais consistentes, livres de jargões e pieguismos. Ao contrário, é comum que as famílias comecem a pensar sobre educação e, principalmente, educação inclusiva, “no susto”, sob ameaças, urgências e necessidades pessoais. Tudo sem terem acumulado conteúdo crítico que dê conta da complexidade da demanda.

Podemos até argumentar que nosso desinteresse vem da rotina doméstica e laboral estafante – e do trabalho que dá sobreviver e manter a saúde da prole em dia. Mas não é por isso que somos tão naives quando se trata de conversar sobre a vida escolar. Falta veracidade nesta argumentação. A história é outra: preferimos seguir no automático, como se ir para a creche ou a escola fosse uma decorrência natural –quase biológica – na vida de alguém que acabou de nascer. Assim como andar vem depois de engatinhar. Mas não é. Existe um futuro individual e cidadão a ser pensado e decidido.

E voltando à química, à história, à geografia, às provas, às notas e à literatura... Ah, sim. Isso a escola oferece – também.