Onde mora a inclusão?

Retângulo com fundo de madeira, como se fosse uma mesa, traz a imagem de um cadeado em formato de coração vermelho, com a fechadura frontal; ao lado, duas pequenas chaves em cinza metálico compõem a cena.
Muito além dos extremos, inclusão significa considerar todas as variantes. (Foto: Shutterstock)

Texto originalmente publicado na Revista Pais & Filhos.

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Setembro de 2021 - Por Claudia Werneck

O que existe entre a criança mais magra e a mais gorda? Dezenas de crianças nem magras, nem gordas - igualmente distantes dos extremos, talvez com um peso médio único? Ou dezenas de crianças com pesos totalmente distintos? A pergunta faz refletir sobre o quanto as pessoas se sentem atraídas pelos extremos. Tudo é dividido em dois lados - um positivo e outro negativo - e avaliado a partir deles. 

Acontece quando a criança com deficiência chega à escola. Uma de duas se dá. Ou ela se converte em desafio extremo ou em presente maravilhoso. Ambas as opções são inadequadas. 

Quando a criança com deficiência vira o foco principal de atenção da escola - e ainda assim, nem sempre é considerada uma parte legítima dela - se transforma em um álibi para que outras questões saiam de pauta. Como as crianças ali no “meio” estão? 

Como dádiva ou desafio, crianças com deficiência arrastam nossa análise para os polos. Os extremos nos atraem porque nos dão segurança para observar qualquer situação. É um local tão confortável que se aventurar pelo meio parece desnecessário e tacanho.

Mas as possibilidades do meio não têm nada de tacanhas. São nelas que floresce a prática da inclusão. É no meio que residem as distintas formas de se rezar, comer, pensar, correr, enxergar, ouvir, amar ou não. Sempre que alguém ganha um rótulo - a mais ou a menos habilidosa da família ou da turma nos esportes, na matemática, na música ou no jeito de fazer carinho - ganha também um rótulo, um estigma. Fica para a vida.

Os estigmas têm relação direta com a nossa sedução pelos extremos e pelas comparações, a partir dos extremos. Vêm da nossa dificuldade em refletir sobre o que não está catalogado por uma métrica clara, de “mais” ou de “menos”, típica de extremos.  É um universo com tantas nuances de reflexão, que com ele nos assustamos. Então recuamos aliviados, como um comandante que resgata o controle de seu navio depois de uma tempestade. 

Somos treinadas para decisões fáceis, irrefutáveis. No espectro desconhecido das opções do meio é diferente: a indecisão é maior e as opiniões - de pessoas que também evitam refletir sobre o meio - brotam e perturbam sem parar.

Os desafios da inclusão e da diversidade estão no meio. Em quem tem uma pele não totalmente branca, rosada, preta ou marrom. Em quem as vezes é triste e às vezes alegre. Em quem é bom para determinado esporte, mas erra tudo no outro. Em quem tem um olho que tudo enxerga e o outro que nada enxerga - neste caso, seria uma pessoa com deficiência? Em quem está em transição de gênero. Em quem ama mulheres e homens sem impor a si mesmo uma ordem no afeto. Em quem disfarça se é velho ou novo, impondo a quem se importa uma meia idade indecifrável.

Testar as possibilidades do meio irá tornar mais saudáveis e menos competitivas as relações em família e na escola. Se os extremos são tóxicos, proponho considerar o meio como um espaço sagrado para se educar as novas gerações. É exercício novo, sem regras claras nem sinapses constituídas. Felizmente a plasticidade está a nosso favor.