Educação inclusiva é direito fundamental

Fotografia a cores mostra espaço de sala de aula, onde há vários grupos formados com as carteiras juntas: são rapazes e moças com diversas cores de pele e cabelos, em roupas informais. À frente está um professor de pé, para o qual as atenções estão voltadas. Nas paredes há lousas escolares e cartazes diversos.
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Texto originalmente publicado no portal JOTA.

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18/04/2023 - Por Cauhe Talarico, Claudia Werneck, Denise de Oliveira Alves, José Eduardo de Oliveira Evangelista Lanuti, Guilherme de Almeida, José Belisário Filho, Margarida Seabra de Moura, Maria Teresa Eglér Mantoan, Rita Bersch e Rosane Lowenthal.

O governo federal acaba de divulgar uma campanha que diz: “A educação inclusiva voltou”. A verdade é que ainda não. Mas vai voltar. A sociedade civil está aqui, alerta, pronta para ajudar a concretizá-la.
Mas o que o Ministério da Educação está fazendo para garantir um sistema de ensino inclusivo? Por enquanto, praticamente nada. Por que o MEC hesita tanto em enfrentar – e resolver – a exclusão e a segregação que voltaram a ser realidade para milhões de estudantes com deficiência e transtornos diversos que hoje vivem no Brasil?

Esta trágica realidade começa ainda na primeira infância e adentra a universidade, com triste destaque para o Ensino Médio. É uma população de estudantes que enfrenta, desde a educação infantil, todo tipo de entraves e barreiras físicas, atitudinais, tecnológicas, pedagógicas e comunicacionais para participarem do processo de aprendizagem que se dá – ou deveria se dar – nas escolas públicas e privadas, nas quais a sociedade e as famílias confiam. Deveriam confiar?

No dia 1º de janeiro, logo após sua sensível posse como presidente, Luiz Inácio Lula da Silva revogou o Decreto da Exclusão, o de número 10.502/2020, assinado por Jair Bolsonaro e que tinha por objetivo, em última instância, agredir os princípios da Constituição brasileira, uma vez que anulava a Política Educacional de Educação Especial na Perspectiva Inclusiva, estruturada por representantes de governos, academia e da sociedade civil em 2008, e que mudou, na prática, o destino de crianças e adolescentes com deficiência no Brasil, dando-lhes o direito de estudarem – com todos os apoios necessários – na mesma escola que seus irmãos, irmãs, amigas e vizinhos.

O ato de Lula, ao revogar o Decreto da Exclusão nas suas primeiras horas de governo, está em consonância com a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência da ONU, primeiro tratado de direitos humanos a ser ratificado no Brasil com status de Constituição, por meio do Decreto Federal 6.949/2009. A revogação foi fundamental e ratificou a percepção ampla que o presidente tem da educação, que deve sempre ser inclusiva. Celebremos. E avancemos velozmente para a prática. Há crianças e adolescentes que hoje, nesse exato momento, podem estar sendo excluídos da escola mais próxima da sua casa, o que também se configura num tipo de violência – difícil de ser denunciada como tal.

Há muito a fazer. Urge combater as tentativas de retrocesso da prática da inclusão escolar, porque leis e políticas inclusivas já existem neste país. Pois há integrantes do Legislativo e do Executivo nacional e estadual que estão se manifestando fortemente contra a revogação do Decreto da Exclusão pela Presidência da República e, neste caso, violam a Constituição e outras leis correlatas, como a Lei Brasileira de Inclusão, de 2015. O que Lula e o ministro da Educação irão fazer para bloquear este movimento danoso, contrário à expansão inclusiva do sistema educacional brasileiro?

É neste sentido que defendemos a retomada da Política Educacional de Educação Especial na Perspectiva Inclusiva de 2008, com ações efetivas previstas detalhadamente no orçamento da educação – e não como um detalhe deste orçamento, ou um apêndice opcional e adiável do mesmo, porque isso nos induz a crer que estudantes com deficiência valem menos para o país. É imprescindível para o país que o Ministério da Educação volte a investir na continuidade, no fortalecimento e no aprimoramento da educação inclusiva.

Não basta ser contra o Decreto da Exclusão, é preciso defender e assegurar o direito incondicional à educação inclusiva. Para quem não acredita nela, sempre existirá um jeito de provar que segregar é melhor. Aqui, é claro, falamos de bastidores da educação: poucos dirigentes e secretários do MEC hoje sabem, de fato, o que é uma educação inclusiva, e isso é dito publicamente, com naturalidade. Pela dúvida e desconhecimento, clamam querer revisitá-la. É uma saída aparentemente honrosa, da qual, entretanto, discordamos.

O grupo que assina este artigo participou da elaboração da Política e está disposto a explicá-la detalhadamente para o ministro da Educação, para que não pairem dúvidas de tudo que foi construído no primeiro mandato de Lula, e que mudou a história da vida e o futuro de crianças, adolescentes, jovens, estudantes com deficiência e transtornos em geral, situação que os números do Censo escolar atestam. E aí vem o mais difícil de explicar: os números da entrada de estudantes com deficiência nas turmas das escolas continuam crescendo, e observar esse movimento auspicioso na direção de uma sociedade inclusiva é muito incomodativo para quem segue acreditando que o melhor é segregar crianças e adolescentes em razão da deficiência, simplesmente pelo modo como seus corpos existem no planeta.

É preciso ter no MEC profissionais que entendam de educação inclusiva e acreditem nela como a única forma de preparar as novas gerações para conhecer, admirar e praticar a democracia, cujo exercício, é claro, começa na escola inclusiva.

Assinam este artigo:
1. Cauhe Talarico – Federação Brasileira das Associações de Síndrome de Down
2. Claudia Werneck – Escola de Gente - Comunicação em Inclusão
3. Denise de Oliveira Alves – Universidade Federal de Goiás (UFG)
4. José Eduardo de Oliveira Evangelista Lanuti – Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS)
5. Guilherme de Almeida – Associação Nacional para Inclusão das Pessoas Autistas
6. José Belisário Filho – Escola de Gente - Comunicação em Inclusão
7. Margarida Seabra de Moura – Federação Brasileira das Associações de Síndrome de Down
8. Maria Teresa Eglér Mantoan – Laboratório de estudos e Pesquisas em Ensino e Diferença - LEPED/Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)
9. Rita Bersch – Assistiva Tecnologia e Educação
10. Rosane Lowenthal – Escola de Gente - Comunicação em Inclusão