No Dia das Crianças, relógio de pulso continua sendo um bom presente?

Sobre um retângulo, fotografia traz duas mãos com um calendário espiralado, que aparece com cinco linhas de numerais referentes aos dias de um mês. A mão direita segura uma caneta na cor rosa, que está marcando com um círculo preto o dia 12 neste calendário.
Parece que a confiança e uma certa magia de se crescer acreditando que havia um tempo só, contado e irrefutável, se foram na Covid-19. (Foto: Getty Images)

Texto publicado originalmente na Revista Pais & Filhos.

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Outubro de 2021 - Por Claudia Werneck

O mundo girou mais rápido ou mais lento na Covid-19? Quase dois anos depois do início da pandemia e do isolamento social no Brasil esgotamos a reserva de respostas convictas. Sobre a relação com o tempo, restam apenas incertezas em nosso psiquismo reformulado. Ou quem sabe danificado, e para sempre?

Milhões de crianças nasceram sob um novo conceito e uma inusitada prática de se relacionar com os minutos. Antes havia uma lógica na mensuração do tempo físico, aceita e utilizada internacionalmente. Pessoas usavam relógios no pulso. Relógios eram um presente importante que as crianças ganhavam como símbolo de que estavam crescendo e já sabiam contar as horas. Não sei se as crianças continuarão gostando de ganhar e usar relógios. Parece que a confiança e uma certa magia de se crescer acreditando que havia um tempo só, contado e irrefutável, se foram na Covid-19: se esvaíram, se perderam.

Essa sensação combina com o artigo publicado na revista Gama: Como as redes sociais alteram a nossa noção de tempo, que cita a socióloga britânica Rebecca Coleman, da Goldsmiths Universidade de Londres. Segundo a pesquisadora, as redes sociais e o mundo digital passaram a produzir “agoras” diferentes e não um único “agora” uniforme e coeso. E, com isso, temos que lidar, ao menos, com três tipos de “agora” – um real, um alongado e um eliminado. 

Coleman explica que o agora em tempo real, exemplificado pelas notificações de mensagens, é uma atividade digital imediata e costuma exigir resposta, independentemente do horário. Já o agora alongado acontece quando navegamos pelas redes sociais, uma ação constante, embora nunca finalizada. E, por fim, há o agora eliminado, que se dá quando buscamos o digital para matar o tempo geralmente enquanto esperamos algo acontecer no mundo presencial. Os três agoras por vezes se entrelaçam, fortalecendo os limites elásticos das percepções do tempo, que ora se alongam e ora se contraem, ora se expandem e ora se condensam – sem dúvida, uma mudança abrupta para quem já estava no planeta.

E para quem nasceu durante a pandemia?

Há crianças cuja relação de afeto com avós, bisavós e tios tem sido estruturada por meio de telas. Será que irão crescer acreditando que existem dois tipos de pessoas igualmente amorosas e presentes, com a diferença de que umas moram dentro das telas e outras fora das telas? E o afeto emanado viria das telas ou das pessoas, na percepção infantil? Se algumas das principais referências de amor têm sido a voz e as imagens transmitidas por celulares, qual realidade irá se impor no psiquismo infantil no mundo pós-Covid? 

As relações com o tempo foram definitivamente sucateadas. De tal modo que hoje estamos entre o futuro e o passado, construindo um presente volátil e, ao mesmo tempo, permanente.

Muito possivelmente, a percepção de tempo será um agravante nas dificuldades intergeracionais, a serem enfrentadas daqui a alguns anos entre familiares e adolescentes que nasceram a partir do ano de 2020; e, mais pra frente, no ambiente de trabalho, principalmente entre profissionais experientes e a juventude que acaba de chegar. Um tema para o idadismo contemplar. 

Enquanto isso, eu lhes recomendo relembrar com detalhes o quanto ficaram felizes e se sentiram importantes ao ganhar o primeiro relógio de pulso. O meu foi presente da minha avó, Marina, e do meu avô, José, quando fiz sete anos. Era redondo e pequenino, tinha corrente de couro azul claro. Me deu saudade.