Valor Econômico: Ainda não passamos da conscientização à ação, diz Claudia Werneck, ‘defensora incansável’ da prática da inclusão

Versão acessível da matéria divulgada no jornal Valor Econômico, em 22/04/2025, disponível aqui

Descrição da imagem: Claudia Werneck - mulher de cabelos curtos grisalhos, usa topete na franja, sorri para a câmera. Ela usa óculos de grau e vestido em tons quentes, com predominância de laranja, amarelo e marrom. Ela segura, com as duas mãos, um exemplar do livro “Tia Zilda – Histórias de Inclusão”, de sua autoria. A capa do livro é branca e traz uma ilustração central de uma boneca com cabelo crespo volumoso e vestido verde, sentada dentro de uma cesta. Ao fundo, vê-se uma pintura artística com cenas históricas ou mitológicas, emoldurada em dourado.

Íntegra da reportagem abaixo

Título em destaque: Ainda não passamos da conscientização à ação, diz Claudia Werneck, ‘defensora incansável’ da prática da inclusão

Subtítulo:  Fundadora da ONG Escola de Gente e ativista em direitos humanos lança o livro ‘Tia Zilda - Histórias de inclusão’, que reúne contos, crônicas e artigos dos últimos dez anos que representam seu pensamento

Liane Thedim

Foram dez anos sem lançar livros, e o longo jejum já fica naturalmente explicado logo nas primeiras linhas da minibiografia que ilustra a nova obra de Claudia Werneck, “Tia Zilda - Histórias de inclusão” (WVA Editora, 122 páginas): “Defensora incansável do conceito e da prática da inclusão, empreendedora social e ativista em Direitos Humanos”.

Mergulhada no trabalho na ONG Escola de Gente, que fundou em 2002 e já mobilizou mais de 1 milhão de pessoas, a autora decidiu abrir espaço em sua agenda para a escrita. A “reestreia” vem na forma de uma espécie de mosaico montado a partir de um resgate de contos, crônicas e artigos publicados em jornais, revistas e mídia especializada nos últimos dez anos e que, para ela, representam seu pensamento.

“Eu escrevia um livro por ano, mas a Escola de Gente foi crescendo e tive que me dedicar muito porque somos independentes, é difícil conseguir mantenedor. A captação de recursos toma muito tempo”, conta ela, que nesses dez anos chegou a começar alguns livros, mas não chegou a concluí-los.

Autora de 14 obras publicadas em português, inglês e espanhol, com mais de 500 mil exemplares vendidos, a ativista é a única escritora brasileira recomendada oficialmente pela Unesco e pelo Unicef. “Sempre notei muito interesse em meus artigos. Fiz essa seleção pensando que ao menos algum deles vai mobilizar e sensibilizar para a ação.”

Feita com recursos captados via Lei Rouanet, a publicação está disponível gratuitamente em nove formatos acessíveis a pessoas com diferentes necessidades, entre eles, audiolivro com audiodescrição, vídeo em linguagem simples com todo o conteúdo do livro e e-book acessível com descrição de imagens e gráficos. A capa tem também um código QR em relevo, para acesso rápido aos formatos, e “wire-o” (encadernação com arame que permite que o material se abra em 360 graus), para facilitar o manuseio a pessoas com dificuldade motora.

Todos os formatos estarão disponíveis no aplicativo de cultura acessível VEM CA, da Escola de Gente, e nas plataformas digitais da ONG. “Quando se distribui um livro só em impresso em tinta, é como dar um tapa na cara das pessoas que não podem ter acesso”, diz Werneck. “A conexão entre gerações é um ciclo. Quando alguém fica sem aquela informação, todo o sistema é prejudicado.”

Há três níveis de linguagem simples catalogadas atualmente. A ativista optou pela mais elementar, num processo que durou três meses e envolveu dezenas de pessoas, incluindo validadores com Síndrome de Down. Ou seja, os textos não apenas foram transcritos, mas também revisados e refeitos em detalhes para que nada pudesse deixar de ser compreendido por uma pessoa com deficiência intelectual, por exemplo. A Escola de Gente já montou um guia para orientar esse processo a ser lançado em 2026;

“Tia Zilda” será distribuído em bibliotecas públicas e para estudantes de instituições públicas de ensino médio e de educação de jovens e adultos (EJA), modalidade de ensino básica para quem não conseguiu concluir os estudos na idade prevista, sobre a qual Werneck busca jogar luz com o projeto, já que o trabalho da Escola de Gente é focado na infância. “O EJA é uma educação excludente, esquecida, desprivilegiada e maltratada.”

De acordo com Werneck, não existe um levantamento do que está disponível em linguagem acessível hoje no Brasil, mas sabe-se que é muito pouco. Ela conta que está recebendo muitos pedidos de universidades. “Vai ser muito útil para pessoas adultas e jovens pensarem a inclusão de várias formas e aprenderem a praticar. Em 1990, a ONU já dizia que o momento era de passar da conscientização para a ação, o que ainda não fizemos até hoje.”

Entre os artigos do livro que emocionam a ativista está “Olimpíadas e condições humanas”, que ela desenvolveu a partir da frase de um jornalista na TV durante os Jogos na Austrália, em 2000: “Aqui está o melhor da raça humana!”. “Levando em conta que atletas aproximam-se do ideal de saúde, beleza, bom preparo físico etc., quero saber quem representa o pior da raça humana. Os que nascem com alguma deficiência mais visível?”

Werneck conta que daria para fazer outro volume da coleção com os textos que tiveram que ficar de fora, mas a ativista ainda não sabe se abrirá um novo projeto de captação para publicá-los ou para fazer uma edição lúdica e acessível do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que ainda não existe no país.

Mas os planos incluem também textos inéditos. “Estou animada porque voltei a escrever. Resolvi que tinha que me dar a chance de retomar a carreira, que ficou abandonada.” Werneck atribui a decisão à idade — ela completa 68 anos em maio. “A maturidade faz ouvir vontades que estavam adormecidas dentro da gente.”

“Tia Zilda” — nome de sua tia, cuja importância em sua vida ela explica logo no primeiro artigo, o único inédito — tem prefácio de Sonia Guajajara, ministra dos Povos Indígenas; da jornalista Sheila Kaplan, doutora em literatura; e de seu filho, Diego Werneck Arguelhes, professor associado do Insper (a ativista também é mãe da atriz Tatá Werneck).

O projeto recém-nascido já rende seus primeiros frutos. No último dia 10, o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, sancionou um projeto que incorpora o Dia Municipal da Leitura Acessível, em 18 de abril, ao calendário oficial do Rio, a primeira cidade do país a ter uma data voltada ao tema.

Aprovado por unanimidade na Câmara Municipal, o projeto de autoria da vereadora Luciana Novaes teve a Escola de Gente e a WVA Editora como proponentes. “Conseguimos!”, comemora Claudia Werneck.